terça-feira, 7 de outubro de 2014

Eros e Psique: Um esboço sobre a paixão.



Vocês conhecem o Mito de Eros e Psiquê?
Para quem não conhece, segue um resumo:

Eros era filho da deusa do amor, Afrodite, um imortal de beleza inigualável.
Já Psiquê, mortal, era uma das três filhas de um rei, todas muito belas, capaz de despertar a admiração de qualquer pessoa, tanto que muitos vinham de longe para apreciá-las. Logo, as duas irmãs de Psiquê casam-se. Apenas a jovem não casa, ainda que seja a mais bela das três, e justamente por isso era a mais temida, já que sua beleza fazia seus pretendentes terem medo. 
Consultando os oráculos, os pais da jovem entristeceram-se pelo destino da filha, já que foram aconselhados a vestirem-na com trajes de núpcias e colocarem-na num alto de um rochedo para ser desposada por um terrível monstro! Na verdade, tudo fazia parte de um plano da vingativa Afrodite, que sofria de inveja da beleza da moça.

Assim que a jovem foi deixada no alto do rochedo, um vento muito forte, Zéfiro, soprou e a levou pelos ares e ela foi colocada em um vale. Psiquê adormece exausta e quando acorda parece ter sido transportada para um cenário de sonhos, um castelo enorme de mármore e ouro e logo descobre que o castelo era de seu marido, o qual havia sido predestinada, ele era extremamente carinhoso e a fazia sentir bastante amada, mas ele havia colocado uma condição, que ela não poderia vê-lo, pois se assim o fizesse o perderia para sempre. Psiquê concorda com a condição e permanece com ele. O próprio Eros, que tinha sido encarregado de executar a vingança da mãe, se apaixonara por Psiquê, mas tem de manter isso em segredo para evitar a fúria de Afrodite.

Com o passar do tempo, ela se sentia extremamente feliz, porque seu marido era o melhor dos esposos e a fazia sentir o mais profundo amor, mas resolve fazer-lhe um pedido arriscado: o de ir visitar seus pais, mesmo com a advertência dos oráculos e o temor do esposo, ela insiste, até que ele cede.

Da mesma forma que foi transportada até o seu novo lar, Psiquê vai até a casa dos pais. O reencontro gera a felicidade dos pais e a inveja das irmãs, que enchem-na de perguntas sobre o marido, e ela acaba revelando que nunca vira seu rosto. Elas acabam convencendo-na que ela deveria vê-lo, afinal o oráculo havia dito que ela casaria com um monstro. As irmãs despertam nela a insegurança de que ele pode ser o monstro dito pelo oráculo, e ela começa a duvidar e se questionar de porque ainda não viu o rosto dele. 

Quando a noite chega e ela retorna à casa, o coração dela está totalmente tomado pela curiosidade e pela dúvida de se seu marido seria o tal monstro, então ela acende uma vela e procura ver o rosto do marido.

Ela fica totalmente extasiada e encantada pela beleza estonteante do marido oculto, Eros, que teria feito esse pedido para que a esposa se apaixonasse pelo que é e não pela sua beleza. Psiquê ficou tão deslumbrada pela visão do esposo que não percebeu que uma gota da cera da vela pinga no peito do amado e o acorda assustado. Ele, ao ver que ela tinha quebrado a promessa, a abandona.

Sozinha e infeliz, Psiquê começou a vagar pelo mundo. Passando, assim, por vários desafios e sofrimentos impostos por Afrodite como uma vingança por ela ter ferido o seu filho, a jovem luta tentando recuperar o seu amor, sua última tarefa deve ser a descida ao mais obscuro reino, o reino de Hades, do qual muitos não voltam. Ao vê-la tão triste e arrependida, Eros, que também sofria com a ausência da amada, implorou a Zeus que tivesse misericórdia deles. Com a concessão de Zeus, Eros usou uma de suas flechas, resgatando a amada do reino de Hades e transformando-a numa imortal, levando-a para o Olimpo.

A partir daí, Eros e Psiquê nunca mais separaram-se. O mito de Eros (o amor) e Psiquê (a alma) retrata a união entre o amor e a alma.




Um esboço sobre a paixão: Uma análise do mito de Eros e Psique.

E aí você se apaixona.
Aquela explosão de sentimentos que misturam desde os mais gostosos até os mais terríveis, e nos deixa um tanto tontos e meio fora da realidade. Você viaja do paraíso ao inferno em segundos, dependendo de um olhar, uma presença, um toque ou a falta deles. E seus pensamentos oscilam continuamente, também te fazendo viajar nessa montanha russa de sentimentos. Cuidado, isso vicia! Rs...

Então você pensa, você sente, você analisa, você tem medo, você fica feliz, fica triste, você, você, você, e você... Mas e o outro? Já pararam pra pensar que o apaixonar-se é sempre bem semelhante independente de pra quem (ou pelo que) nos apaixonamos? Claro que a intensidade muda, mas os sintomas são basicamente os mesmos se observarmos com cuidado.

Isso acontece porque na paixão o outro é apenas um depositário de sentimentos e idealizações. Idealizamos o outro e imaginamos que ele é tudo aquilo que precisamos e buscamos para tapar nossos buraquinhos. Estamos o tempo todo esperando que o outro se comporte da maneira que criamos em nossa mente, de acordo com nossas expectativas.

Enquanto isso, no início de uma paixão, o outro também espera muito de nós e procura corresponder o que esperamos. Esse misto de projeções e espelhamentos nos deixa totalmente cegos para realidade e distante de quem a pessoa é e de quem somos realmente. Não sabemos quem é o outro, normalmente nem queremos saber, em nossa mente permanece apenas o que idealizamos do outro. E muitas vezes esquecemos também quem somos, pois temos uma lista interna de exigências do que achamos que precisamos ser e fazer para agradar o outro. Estamos todo o tempo nos forçando e forçando o outro a corresponder a um ideal de relacionamento irreal, que criamos devido às nossas necessidades internas, muitas vezes inconscientes.

Se essa dinâmica se mantém por muito tempo nos afastamos cada vez mais de nós mesmos e do outro, até o momento em que estamos nos relacionando apenas com todos os nossos medos, traumas, inseguranças e expectativas. Seu companheiro ou companheira é apenas seu próprio monstro interno.
Muitas relações terminam assim. Um sendo o monstro do outro. Porém se conseguirmos por um breve instante iluminar o outro, como Psique fez com Eros, e finalmente ver o seu rosto pela primeira vez, temos a chance de levar o relacionamento a um novo patamar, no qual ele nunca esteve.
Psique achava que Eros era um monstro, pois ele não permitia que ela o visse, até que uma noite pega a vela enquanto ele dorme e ilumina seu rosto, e vê o quão belo ele é. Um pingo da cera cai em Eros e ele acorda, revoltado pela desobediência de psique, ele vai embora e a deixa só.

Para ver o outro é preciso muita coragem. Coragem para encarar belo do outro e perceber que o monstro era seu. Coragem para desconstruir a imagem criada e olhar para a imagem real com seu lado divino e monstruoso. E principalmente coragem para se ver. Pois aquele outro que você escolheu para estar ao seu lado representa sempre uma parte de você mesmo.

Além disso o outro não gosta de ser visto. Ninguém gosta de ser desmascarado. O outro se sente vulnerável e teme tudo aquilo que tememos. Logo esse momento é difícil. Um momento de crise. Mas crise nem sempre é algo ruim. Crise é mudança, e mudança faz parte de tudo que é vivo.
Então ele ou ela não faz mais tudo o que você quer, não lê mais seus pensamentos, não concorda com você o tempo todo; Você nem sempre quer estar toda arrumada pro outro, não sente mais tanta vontade de agradar, está mais preocupada com seu trabalho e outras questões da sua vida...Crise. Ou será que vocês dois estão começando a mostrar um pro outro quem são realmente?

Ninguém é lindo o tempo todo. Ninguém é inteligente o tempo todo. Ninguém é amável o tempo todo. É claro que estou dando exemplo extremos, nem todo casal se comporta assim.  Mas se analisarmos com cuidado, todo casal no início de uma paixão procura um ideal de como se portar e espera um ideal também do outro. Mas chega um momento que as máscaras precisam cair, até mesmo para que a relação possa se aprofundar.

Se o casal tem consciência de que está passando por uma desmitificação do outro, esse processo é bem mais tranquilo, porém a maioria das pessoas não possuem esse entendimento. Acha que o outro está mudando, que não é mais o mesmo, que algo está errado, que a magia acabou. Mal sabem que é exatamente a partir daí que a magia começa.

É muito importante nesse momento se conhecer e entrar em profundo contato consigo mesmo. É o momento do mito em que psique vai realizar as tarefas impostas por Afrodite, sozinha. Tantas vezes ela pensa em desistir, mas a cada tarefa realizada ela descobre um pouco mais sobre ela mesma, sobre o que é capaz, e ganha mais e mais confiança em si mesmo.

Você se misturou nos desejos do outro e mais ainda, na ideia que você tem do que deveria ser para o outro. Na tentativa de corresponder o que você achava que o outro queria (que muitas vezes nem é o que ele quer realmente). São tantos desejos e projeções que qualquer um se perde. Esse é o momento de se reencontrar. O momento de separar as sementes, que é a primeira tarefa que Afrodite passa a psique.

Todo esse processo de voltar pra si pode ser mais introspectivo e solitário, mas como olhar pro outro sem olhar pra si? O que mais nos mantém presos numa ilusão é o medo de quem realmente somos.
O ser humano tem uma capacidade incrível de fugir de si mesmo. Somando isso ao potencial criativo que temos, o resultado pode ser uma vida inteira de alegorias que não passam de justificativas e mentiras na frente do espelho.

Se vencermos o nosso maior medo que é o de nos encarar totalmente, de olhar para nossa luz e nossa sombra. De ver o quão maravilhosos e terríveis podemos ser e nos amar assim mesmo. Aí sim seremos capazes de amar o outro como ele realmente é.

E esse amor será tão pleno e completo, que acredito ser algo inexplicável em palavras. No filme “Avatar” os personagens que moram em Pandora e tem todo uma conexão sistêmica com a natureza, os animais e com todo o planeta; não falam “Eu te Amo” mas sim “Eu te vejo”. Para mim essa foi uma representação muito próxima do que seria o Amor.

Para finalizar gostaria de dizer que não pretendo “demonizar” a paixão, como muitos fazem. A paixão tem sua beleza, como tudo, tem um lado sublime. Porém vejo ela como uma parte importante de algo muito maior que se desenvolve muitas vezes a partir dela. Qualquer relação começa com projeções e expectativas, por isso é tão importante nos conhecermos, pois no fundo sempre começamos a nos relacionar com nós mesmos, até estarmos prontos pra compreender a existência do outro.