terça-feira, 27 de outubro de 2015

Sobre altos e baixos e a negação da dor

“Não há despertar de consciências sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma.”
“Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a sua escuridão.”  - Carl Gustav Jung

Vivemos numa sociedade que exalta a busca por uma felicidade inexistente e idealizada e nega a dor até o limite do impossível.  Somos todo tempo bombardeados pela ideia de que estar triste ou sentir-se mal com alguma coisa é terrível e deve ser evitado ou transpassado o mais rápido possível, enquanto a realidade é que apenas através da dor e dos momentos difíceis nos transformamos e nos conhecemos mais profundamente. Nesses momentos reside a maior oportunidade de sabedoria e aprofundamento em si mesmo.

“OM MANI PADME HUM” é um mantra budista que significa: “ a flor que brota da adversidade.”  Da lama nasce a flor de lótus, uma das flores mais belas nasce na lama. Esse mantra carrega o simbolismo de que é exatamente nos momentos mais difíceis e doloridos que temos a oportunidade de criar, de dar luz a nossa sabedoria interna. Muitos já escreveram ou falaram sobre isso, mas até hoje esquecemos e cada vez mais a nossa sociedade, voltada para o externo e para as aparências, nega esse saber. 

A explicação psicológica é muito simples, segundo a análise Jungiana, tudo o que nos incomoda, fazemos um esforço enorme pra negar, seja este esforço consciente ou não. Muitas vezes algo nos incomoda tanto que nos convencemos que não temos aquele "algo" (seja uma característica, um comportamento, pensamentos, etc) e a psique gasta energia para reprimir aqueles aspectos e eles permanecem inconscientes. No escuro é onde vivem os “monstrinhos”, e quando não estamos olhando eles fazem a festa, se reproduzem e crescem, sem que a gente sequer saiba disso.

E então algo externo acontece na sua vida (isso também não é por coincidência, mas esse já é assunto para outro post...rs...) e você se vê “obrigado” a olhar para aquela questão que tanto evitou. Você se vê obrigado a lembrar e aceitar que aquilo faz sim parte de você e está sim presente na sua psique. Certamente este é um momento de dor, mas como amadurecer sem olhar pra isso? Como ser você mesmo se estiver sempre evitando ou escondendo um pedaço seu?

"Tire a mascara. Seu rosto é glorioso" - Rumi.


Outra frase budista diz que a dor é inevitável e faz parte da vida, já o sofrimento é uma escolha. Se passarmos a entender a dor e a tristeza como parte do nosso processo de existência e do nosso ser, e uma oportunidade de crescimento e transformação, não vamos sofrer com isso. O sofrimento está na não aceitação de um momento, ficamos nos debatendo contra o momento, como se nadássemos contra a correnteza. Se aceitarmos que aquele é o nosso momento,  podemos entender como viver nele da melhor forma e como usá-lo como uma oportunidade.

A vida sempre será cheia de altos e baixos, nossas emoções são pura energia, não importa se você está dando uma boa gargalhada ou chorando intensamente, é pura energia do seu ser que você está manifestando e ambas são naturais e belas e fazem parte do momento em que você se encontra. Esteja presente no momento, sinta ele e aceite ele por inteiro, assim você vai compreende-lo e saber qual a melhor maneira de vive-lo. 

"A Roda da Fortuna"- Arcano do tarot que simboliza exatamente os "altos e baixos" da vida.

Se olharmos pra natureza, pra vida na sua forma mais pura, veremos claramente o movimento, a instabilidade e o caos.  O confortável muitas vezes não nos ajuda, mas nos anestesia e acaba nos mantendo numa estabilidade que é contrária a vida. 

Sair da sua "zona de conforto" é o primeiro passo para qualquer mudança. E se você não sabe bem o caminho, siga qualquer caminho, pois o que importa não é exatamente onde vamos chegar mas o quanto e como vamos nos transformar durante o percurso. Como disse o sábio gatinho do conto da Alice no Pais das Maravilhas "Se você não sabe pra onde ir, qualquer caminho serve." (Lewis Carroll)

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Persephone e o mergulho no inconsciente

Continuando no clima do Ciclo de Palestras no qual estou participando, onde falo sobre os arquétipos das deusas gregas no nosso inconsciente (para entender melhor, leia o post anterior), trago uma analise do mito da Persephone para pensarmos um pouco sobre amadurecimento e a questão da sombra Jungiana.

Um resumo do mito:


Persephone antes de se tornar esposa de Hades e rainha do submundo, era apenas uma menina ingenua e infantil que viva sobre os cuidados de uma mãe super protetora, a deusa Deméter.
Havia um desejo inconsciente de se libertar e amadurecer, porém sob os cuidados da mãezona, Persephone não era capaz nem de perceber esse desejo.

Hades, o deus que comanda o mundo avernal, (que é  o submundo, o mundo dos mortos, na mitologia grega), se apaixona por Persephone e como sabe que Deméter nunca iria permitir essa união ele decide agir por conta própria. Um dia Persephone estava colhendo flores no campo,quando de repente Hades aparece do chão e a sequestra para seu reino. Persephone acaba comendo uma Romã, sem saber que quem comer qualquer coisa no mundo avernal ficara condenado a nunca mais sair de la.

Após muitas ameaças de Deméter e negociações com Zeus, Hades chega a um acordo com todos e Persephone acaba passando metade do ano no mundo avernal com Hades, que se torna seu marido, e metade do ano com Deméter. Nesse processo Persephone se torna a rainha do submundo, e uma das deusas mais poderosas do Olimpo, pois ela é a unica deusa que pode ir e vir do mundo avernal.


O mundo avernal representa o inconsciente, onde todos os "fantasmas" habitam... Nele esta nosso passado, traumas e memorias esquecidas. Como amadurecer sem olhar pra isso?

Este mito fala sobre este processo de transformação e amadurecimento. Persephone era apenas uma menina e depois que entra em contato com o mundo avernal, com seu inconsciente e sua Sombra, ela amadurece, reconhece seu potencial, e se torna uma deusa poderosa.

Jung fala sobre o conceito de Sombra, definindo como um aspecto (ou um conjunto de aspectos) geralmente desconhecido do eu, que negamos em nós. São aspectos inconscientes, virtudes e defeitos, que por determinados motivos (complexos, traumas, etc.) não conseguimos ver conscientemente em nós.

Logo, olhar pra sombra é o momento onde encaramos tudo aquilo que não queremos ser, tudo aquilo que fazemos um esforço imenso para negar que temos presente em nós, mas no fundo sabemos que temos. Negamos porque consideramos "ruim", "errado", "feio" ou qualquer outro conceito que a sociedade nos impõe, ou negamos apenas por não saber lidar com aquilo. Porém a verdade é que só seremos nós mesmos quando nos olharmos por inteiro.


No mito, Persephone não queria olhar para seu poder, pra sua sexualidade, para o seu feminino, e através de Hades ela pode encarar sua sombra. Parece agressivo o rapto, porém isso é apenas uma alegoria muito presente nos mitos antigos. Hades representa aqui o próprio inconsciente de Persephone, seu Animus segundo a teoria Jungiana, e através da integração com ele, e do mergulho no seu inconsciente, ela descobre mais sobre ela mesma e se torna quem ela realmente é.

Este é outro ponto importante do mito, o relacionamento com o outro é um grande espelho e potencial transformador. Você pode amadurecer e se transformar sozinho, muitas vezes, mas é através do outro que você pode aprofundar nas suas questões mais inconscientes, que sozinho não somos capazes de ver. Se estivermos atentos as nossas relações, vamos perceber que elas sempre estão nos mostrando parte de nós. O externo apenas reflete o interno.



Persephone representa o arquétipo de uma mulher muito poderosa, muito intuitiva e ligada as questões do inconsciente. Depois que ela conhece e aprende a lidar com o seu inconsciente (o mundo avernal no mito) ela pode ir e vir com uma facilidade que nenhuma outra deusa tem. Isso representa a capacidade de olhar para a sombra, para o inconsciente e não se perder por la, não ficar "preso" em seu mundo interno, saber voltar para a "realidade" utilizando tudo o que aprendeu. Literalmente, trazer da sombra para a luz. Mulheres que tem esse arquétipo muito forte dentro de si, podem ser otimas terapeutas, tarologas, médiuns, ou tem grande atração por tudo que aborde o inconsciente e o mundo espiritual. Porém se elas tentam ignorar esse aspecto delas, elas podem permanecer imaturas ou perdidas em um mundo de fantasias internas.

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Gostou?
Saiba mais sobre as deusas que nos habitam no Ciclo de Palestras Sabedoria Natural Feminina e em breve também darei um Workshop vivencial sobre o assunto!
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Sobre o Workshop entre em contato: vanessa.cmartins@gmail.com