quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Como os Arquétipos influenciam nossas vidas

Qual seu conto de fadas favorito?
E aquele personagem dos quadrinhos que você nunca esqueceu?
E aquele personagem de um filme no qual você se identificou totalmente?
Ou podemos perguntar até mesmo, qual a sua religião, ou o mito religioso que você mais gosta?
Se pararmos pra prestar atenção nisso, descobriremos muito sobre nós mesmos, sobre nosso inconsciente e os segredos que ele guarda.


Jung definiu Arquétipos como "núcleos instintivos que trazem padrões de comportamentos humanos" desde o início da história da humanidade. Esse gigantesco "arquivo" faz parte de nosso inconsciente coletivo, obviamente não acessamos ele por inteiro com a nossa consciência humana, porém através de símbolos, imagens, contos, mitos, que carregam esses arquétipos, nós temos a oportunidade de acessá-los.

Quando nos deparamos com esses símbolos, imagens ou experiências, carregadas com todos esses arquétipos é muito comum que um ou outro acabe nos chamando mais atenção, "brilhando" em nossa mente consciente e isso é uma forte dica de como estamos nos sentindo naquele momento e pode nos ajudar até mesmo a perceber nuances da nossa vida  e da nossa própria psique que não percebemos facilmente.


Quando pensamos em arquétipos muitas vezes pensamos na mitologia grega, em deuses e deusas, ou em contos de fada, mas a verdade é que os arquétipos são sempre atualizados em nossa sociedade. Todos os filmes que vemos atualmente, novelas, livros que lemos e contos atuais, todos estão repletos de antigos arquétipos que só vão se atualizando ao longo dos anos de acordo com o momento da sociedade. Se pararmos pra pensar as "receitas" dos filmes "Blockbusters" são sempre as mesmas: Um grande mal, ou um grande vilão; um herói ou heroína, uma mocinha ou mocinho, um romance...

Atualmente tem sido muito comum novas construções menos maniqueístas como um herói não tão bonzinho ou um vilão injustiçado pelo mundo, porém se pararmos para analisar são os mesmos arquétipos se atualizando de acordo com as transformações sociais. Até mesmo nas religiões podemos ver os arquétipos se repetindo e se atualizando, a grande mãe, virgem maria, o salvador, deus do sol, cristo...

                                     

Gaia e Maria - Arquétipos da Grande Mãe

Além disso, o que não é tão óbvio à olhos leigos, é que nós também acabamos por internalizar esses arquétipos e interpreta-los em nossas vidas, Jung chamou isso de "Arquétipos da Psique Humana". Com todo esse registro infinito de personagens e comportamentos humanos que "bombardeiam" nosso inconsciente, nossa psique acaba "pescando" alguns deles, ou fragmentos de alguns deles, os quais por diversos motivos nos identificamos mais, e nossos pensamentos e ações acabam trazendo toda essa bagagem neles. Nós moldamos nossa personalidade com recortes desses arquétipos e, muitas vezes, nos distanciamos de quem realmente somos.

Por isso os arquétipos estão presentes em tudo no nosso dia a dia, o que fazemos e o que pensamos, e se ficarmos atentos, essa pesquisa pode se tornar uma ferramenta incrível para acessar mais sobre nós mesmos. São pistas que nosso Self está dando para nosso ego, durante toda a nossa vida.

E afinal, sabemos que nosso inconsciente influencia muito mais as nossas ações do que nossa mente consciente, logo se temos uma ferramenta tão potente para acessá-lo e descobrir mais sobre nós mesmos, precisamos utiliza-la.

Na clínica o uso de arquétipos através de contos, mitos, imagens, tarot, etc. pode ser de grande ajuda para acessar o inconsciente de forma mais lúdica e com menos mecanismos de defesa da consciência. 



quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Mudança de hábito

Algumas pessoas que atendo na clínica tem me questionado ultimamente como realmente mudar hábitos, e eu pessoalmente também tenho questionado isso. Qual o ponto de equilíbrio entre a restrição do prazer e a permissão do prazer? Em que momento uma mudança de hábito para de ser uma ação sofrida e restritiva para se tornar natural?

Pesquisando e pensando sobre o assunto encontrei alguns direcionamentos. O que é um hábito, afinal? Como ele se forma e se condensa de forma tão estrutural em nossa vida? Um hábito é algo que estamos acostumados a fazer e que de alguma forma, nos da prazer. Uma ação que, como toda ação, é gerada por pensamentos e emoções. Pensamos algo, sentimos uma vontade, e daí vem a ação. Mas porque quando sinto que aquela ação contínua, ou seja, aquele hábito me faz mal, eu não consigo mudar tão facilmente?

"Eu não sou o que acontece comigo eu sou o que eu escolho me tornar"


Existem milhares de respostas pra essa pergunta, muitos hábitos vem da infância, como por exemplo a forma como você se alimenta. Provavelmente existem diversas questões psicológicas e emocionais envolvidas nesse hábito. E se você repetiu uma maneira de ser durante toda a vida, realmente se torna mais difícil transforma-la, porque você cria uma espécie de núcleo mental para esse comportamento. Mantendo este exemplo da alimentação, se eu associo comida a prazer e não á nutrição, e sempre que eu tenho um desprazer ( um dia ruim, uma briga, etc.) eu como para compensar, eu já criei um um núcleo, um processo de ação que é "sinto que preciso compensar meu desprazer e como para ter prazer." E mesmo que você não esteja mais se sentindo bem comendo daquela forma ou quantidade, você continuará tendo essa reação ao ter um dia ruim, pois é a reação que seu corpo e mente conhecem há tantos anos.

Isso serve pra tudo. Se eu bebo quando fico triste há anos, percebo que me faz mal, mas não consigo mudar porque minha mente já sabe que quando eu fico triste a melhor forma de anestesiar e não sentir aquilo é beber. Se eu tomo café de manhã para despertar, o médico me manda não tomar mais café, eu não consigo porque meu corpo e mente entenderam por anos que eu preciso do café pra acordar...e por aí vai. E esse processo muitas vezes se torna tão automático, que nossa vontade é deixada totalmente de lado.

Esse processo não é somente um processo psicológico, mas também físico. Nosso cérebro fisicamente cria o que é chamado de “caminho neural” quando mantemos um hábito por muito tempo. As sinapses cerebrais ocorrem entre um neurônio e outro formando assim uma espécie de “caminho” e quanto mais você reforça aquele mesmo pensamento ou hábito, mais automático ele se torna. 

Porém se criarmos novos “caminhos neurais” de forma proposital e consciente podemos fortifica-los até que eles se tornem automáticos. Se trata da tal mudança de hábitos. No início precisaremos de um esforço, pois todo o nosso corpo e mente já estão acostumados, quase que programados, a agir de uma determinada maneira, mas se insistirmos nós podemos reprograma-lo conscientemente até que a nova ação se torne confortável.



O primeiro passo é entender o que você ganha mantendo o hábito antigo. Por pior que ele seja e por mais que você queira mudar, se você ainda não mudou é porque existe um ganho. seja totalmente honesto com você mesmo e descubra "O que eu ganho com isso?" Identificando o ganho você deve se perguntar "Esse ganho é real?" "Ele ainda faz sentido na minha vida?" "Estou realmente ganhando mais do que se eu mudasse esse hábito?" Com esse auto questionamento você desconstrói o motivo que sua mente criou pra fazer aquilo, ou seja começa desconstruir o antigo caminho.

E aí podemos criar um novo caminho, mas pra isso é preciso esforço. Este é o momento onde conscientemente você irá se esforçar muito, e será difícil no inicio, procure sempre manter os seus motivos em mente, aquelas perguntas básicas, para não desistir. E é muito importante também negociar com você mesmo. Pense nos seus desejos como uma mola, se você apertar de mais, quando você soltar ela volta com toda a força e te empurra, e não adiantou nada todo o tempo que você tentou contê-la. 

No Shaivismo (filosofia oriental), entende-se que o ser humano passa por 12 estágios evolutivos, sendo o primeiro a total inconsciência de si e do todo, o que poderíamos chamar de estar no "piloto automático" e o 12º a iluminação, ou seja, virar corpo de luz. Segundo essa filosofia, a grande maioria dos seres humanos estão entre os estágio 1 e 2, sempre oscilando do 1 pro 2 e voltando ao 1. Isso é exatamente o que vemos e sentimos quando tentamos transformar algo em nós. 

Esse "despertar" que é a percepção de que algo está te fazendo mal e é preciso transformar, é a ponte para o segundo estágio. O Segundo estágio é um estágio de disciplina absoluta, onde você começa a perceber tudo que não te faz bem e querer abandonar totalmente, aí você se restringe ao máximo, até que em algum momento não suporta mais e, em nossas palavras "chuta o balde", e volta a inconsciência, voltando aos hábitos antigos, que já eram naturais pra você e não te exigem esforço.

Se conseguimos nos manter na disciplina do estagio 2 e desapegar do que deixamos pra trás, em algum momento nossas ações passam a ser naturais, conseguimos criar os novos caminhos neurais, criar os novos hábitos, e por nos sentirmos melhores fazemos um contato maior com a gente mesmo e aos poucos, vamos sentindo o que realmente faz bem pra gente de forma natural e fluída. E aí seria o estagio 3, onde não há esforço e você está em contato maior com a sua essência por isso sabe o que te faz bem e o que não faz.

Seja pela visão da ciência ou da filosofia oriental, o que importa no fim das contas é escutarmos o nosso ser, escutarmos o que sentimos. Se sentimos que algo está fazendo mal e precisamos mudar, temos que dar ouvidos a isso e descobrir porque queremos continuar nos fazendo mal. Não é de fora que vem a mudança, nem o ímpeto por mudar, é dentro que nasce a vontade de ser uma pessoa melhor, mais saudável, mais feliz...e a transformação real é sempre de dentro para fora.



sábado, 24 de setembro de 2016

Transformação, mudança e morte.

O que as transformações internas que acontecem em nossa mente e personalidade tem em comum com as mudanças externas da vida, como uma mudança de casa, de cidade, o término de uma relação ou até mesmo a perda de alguma pessoa querida?

O luto para a psicologia não acontece apenas diante de uma situação literal de morte ou perda, mas também em situações em nossa vida onde sentimos a sensação de morte, mesmo que não estejamos de fato diante dela, ou será que estamos? Afinal  cada vez que transformamos questões emocionais, comportamentos e pensamentos é como se uma parte de nós estivesse morrendo, quanto mais intensa essa transformação, maior pode ser a sensação do luto.

Carta da Morte do Tarot de Toth


Por isso muitas vezes no processo terapêutico a pessoa pode se sentir deprimida, ou achar que está "piorando" enquanto na verdade o que está acontecendo é apenas transformação. E porque será que é tão difícil mudar? Mesmo quando queremos nos livrar de hábitos, comportamentos e pensamentos que não nos servem mais, temos grande dificuldade de transforma-los por completo. Isso acontece por conta do apego, que segundo as tradições orientais é uma das grandes ilusões da humanidade e uma das grandes causas do sofrimento humano.

Nós ocidentais não conseguimos encarar a morte como um processo natural da vida. Tememos a morte de uma tal forma que mal conseguimos falar ou pensar sobre ela. E o que é o medo da morte se não o apego ao ego, isto é, o apego ao estado físico que nos encontramos neste momento? Se aprofundarmos nessa linha de pensamento vamos perceber que o apego é a raiz de todo medo. O medo nada mais é do que o apego ao estado e forma que nos encontramos, ou que algo se encontra, temos medo do novo porque não sabemos como vai ser e não podemos nos apegar a algo que não conhecemos.

A filosofia oriental vê a morte como um processo, uma parte no ciclo da vida, tudo se transforma o tempo todo. Para eles exite um deus que cria (Shakti) um deus que mantém (Vishnu) e um deus que destrói (Shiva) e nenhum deles é visto de forma dual, bom ou ruim, todos os tres são necessários para o universo existir. Se não há destruição, morte, fim,  não há movimento e se não há movimento não há vida.

Shiva


É aquela velha analogia da lagarta que vira borboleta. Ela se tornou um ser totalmente diferente. Outro ser mesmo, ela não é mais lagarta, e sim borboleta. A lagarta morreu, mas nem por isso a vida que nela estava deixou de existir. Se a lagarta tivesse um nome, uma ideia de identidade na mente dela, talvez ela tivesse medo de virar borboleta.

Nós somos tão apegados ao nosso "nome", a essa ideia de identidade que não conseguimos imaginar nada além disso. E esse apego faz muita vezes com que uma pessoa se cristalize num conjunto de pensamentos e comportamentos, que ela acredita ser ela mesma, e nunca mude. Nasce lagarta e morre lagarta. Com a oportunidade de ser multicolorida e voar livre pelo céu, jogada fora.



É exatamente isso que fazemos todas as vezes que lutamos contra um processo natural de morte, seja ele de transformação interna, mudanças externas na vida, ou de fato a morte física. Nos debatemos contra um processo natural que está presente em todo o universo, muito antes de fazermos parte dele, e desperdiçamos muitas vezes oportunidades de crescimento e iluminação.

No momento em que compreendermos e aceitarmos a impermanência de todas as coisas que existem, conseguiremos nos desapegar dessa ideia de ego tão enraizada na mente humana e finalmente perceberemos que somos muito mais do que um nome ou um conjunto de comportamentos e pensamentos. Somos muito mais do que a nossa mente. Somos muito mais do que humanos...

E assim sim, livre do apego, estaremos livres do medo e permitiremos a transformação, seja ela o que vier. Saberemos observar o momento e permitir que ele passe e abriremos espaço para o que chega, num fluxo incessante de morte e nascimento. Essa é a dança do universo. E assim seremos borboletas e quem sabe, muito mais que isso...

"A morte está a todo instante destruindo o que a vida constrói. Em cada instante a vida se faz presente, e ao mesmo tempo, este instante torna-se passado e já foi devorado pela morte. E é na alteridade da existência, na tensão entre vida e morte que se torna possível o movimento de construção de nosso existir."



quarta-feira, 27 de abril de 2016

Arteterapia e "O coração da loucura"

Assisti o filme "Nise - O coração da loucura" e resolvi escrever esse post não apenas para indicar o filme, que é lindo, vale à pena ser visto, como para explicar um pouco mais sobre a Arteterapia, essa ferramenta tão rica e importante para a investigação do inconsciente.


Que a arte é uma expressão da psique ninguém tem dúvida, certo? Qualquer expressão artística é a solidificação no mundo externo do mundo interno do artista, é como se conseguíssemos passar a dar existência física e externa a imagens, símbolos e sentimentos internos, que de outra maneira ninguém conseguiria ver, além de nós mesmos. Qualquer que seja o meio; pintura, poesia, escultura, música, entre tantos outros; está sendo um veículo para transportar para fora de si fragmentos de um mundo interno não acessível a "olhos nus". 

Através da obra de um artista podemos entender melhor seus sentimentos, pensamentos, suas aflições e angústias, seu olhar sobre o mundo. E muitas vezes se observarmos analiticamente a obra completa de um artista, podemos ver as mudanças, fases e evoluções pelo que passou em sua vida.

“Psicologia e Arte: Apesar de sua incomensurabilidade existe uma estreita conexão entre esses dois campos que pede uma análise direta. Essa relação baseia-se no fato de a arte, em sua manifestação, ser uma atividade psicológica e, como tal, pode e deve ser submetida a considerações de cunho psicológico; pois, sob este aspecto, ela, como toda atividade humana oriunda de causas psicológicas, é objeto da psicologia” (Jung, 1971, p.54).

E porque não então usar a arte como ferramenta de análise do inconsciente? Todos somos artistas, pois todos temos a capacidade de criar. A criação é tirar algo de dentro de si e colocar pra fora, colocar no mundo, como um parto. Quem nunca fez isso através de um desenho, um texto ou uma simples palavra? Fazemos isso o tempo todo, tudo que nos cerca foi criação do homem, desde prédios e aparelhos eletrônicos, até filmes, livros e obras de arte. 

“Todo mundo deve inventar alguma coisa, a criatividade reúne em si várias funções psicológicas importantes para a reestruturação da psique. O que cura, fundamentalmente, é o estímulo à criatividade.” (Nise da Silveira)

Paciente pintando no Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro onde trabalhava Nise da Silveira nos anos 50.


Através d o uso da Arteterapia na clínica estimulamos a criatividade do cliente, para que ele expresse seu mundo interno de forma instintiva, intuitiva e simbólica. O que por si só já traz resultados muito mais expressivos do que a terapia através da fala somente, pois a fala é uma expressão racional. Por ser uma expressão racional a fala é censurada pelos nossos próprios mecanismos de defesa, além de ser naturalmente julgada e analisada pela nossa própria mente.

Dificilmente alguém senta no seu consultório e fala tudo o que sente e pensa facilmente. Através da arte conseguimos "quebrar" esses mecanismos de defesa, pois estamos propondo uma atividade lúdica, e que a mente do cliente não tem como controlar. Ele apenas se expressa, e essa expressão é muito mais sincera, interna e sem auto-censura.

A partir dos símbolos, cores e formas que são representadas na arte da pessoa, podemos entender as questões que estão em evidência no seu inconsciente nesse momento, podemos olhar o seu mundo interno e utilizar nosso conhecimento para ajudar a pessoa a compreende-lo. Além disso, para casos graves a criatividade e a expressão simbólica ajudam a reatar o vínculo com a realidade.

Através de seus estudos, Jung percebeu que os esquizofrênicos que estavam com a psique muito desorganizada, não eram capazes de desenhar formas exatas, desenhavam riscos e imagens confusas. Conforme o tratamento ia evoluindo, começavam a desenhar formas e finalmente círculos. Os círculos representam a psique estruturada e coesa, a totalidade do ser, ou a expressão do que Jung chama de "Self".


"A Mandala é uma imagem arquetípica cuja a precisão é atestada através dos anos. A imagem circular representa a totalidade, ou, colocando em termos míticos, a divindade encarnada no homem." (C.G.Jung)

Nise da Silveira também percebeu exatamente o mesmo processo em seu trabalho no Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro, onde na ala de Terapia Ocupacional, incentivava os pacientes a fazerem trabalhos artísticos e procurava literalmente salva-los de procedimentos grotescos que a ciência da época incentivava, como eletrochoques e lobotomia. Nise teve contato com os livros de Jung, que a ajudaram muito em seu trabalho.

Em 1954, impressionada com a recorrência de mandalas nas pinturas de esquizofrênicos, ela escreveu para Jung, acerca deste material, sendo prontamente respondida e ensejada a sua colaboração. Isto a estimulou a apresentar no II Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique (1957), uma exposição com as pinturas e modelagens dos esquizofrênicos que ocupavam as sessões de terapia ocupacional no então Centro Psiquiátrico do Engenho de dentro onde trabalhava. Esta exposição ocupou cinco salas e se chamou "A Arte e a Esquizofrenia", que teve a presença e entusiasmo de Jung, seu reconhecimento e prestígio.

Nise e Jung em Zurique.

Nise da Silveira foi uma mulher incrível que trouxe uma contribuição indescritível para o desenvolvimento da Arteterapia e da Psicologia Analítica no Brasil. Em 1952, ela funda o Museu de Imagens do Inconsciente, no Hospital Psiquiátrico onde trabalhava, com obras de modelagem e pintura criadas por seus pacientes na instituição, valorizando-os como documentos que abrem novas possibilidades para uma compreensão mais profunda do universo interior do esquizofrênico. Entre os artistas-pacientes que criaram obras incorporadas na coleção dessa instituição podemos citar: Adelina Gomes; Carlos Pertuis; Emygdio de Barros e Octávio Inácio.

Poucos anos depois da fundação do museu, em 1956, Nise desenvolve outro projeto também revolucionário para sua época: cria a Casa das Palmeiras, uma clínica voltada à reabilitação de antigos pacientes de instituições psiquiátricas. Nesse local eles podem diariamente expressar sua criatividade, sendo tratados como pacientes externos numa etapa intermediária entre a rotina hospitalar e sua reintegração à vida em sociedade.

Nise da Silveira


Ainda hoje o Museu de Imagens do Inconsciente funciona no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, com obras de ex-pacientes e produções atuais feitas nos ateliês terapêuticos do museu. Ainda hoje existe uma equipe de profissionais dando continuidade ao maravilhoso trabalho de Nise, porém como o local não é mais um centro de internação, os clientes são livres para ir e vir e convidados a produzir nos ateliês. Um lugar incrível para se visitar, não deixem de ir.
Mais informações : Museu de Imagens do Inconsciente

O "Museu de Imagens do Inconsciente"  nos dias de hoje.


"É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade..." (Nise da Silveira)



quarta-feira, 6 de abril de 2016

Oposto complementar - YIN YANG - Feminino e Masculino

Estive pensando ultimamente sobre as energias feminina e masculina, devido a conversas sobre o tema, questões trazidas na clínica e experiências pessoais. Na minha opinião precisamos aprender mais sobre a amplitude desses arquétipos e como lidar com esses "opostos complementares".

Essa discussão é ampla e poderia gerar até um livro, por isso tentarei resumir.
Você já ouviu falar de Ânima e Ânimus?

Segundo Jung todas as pessoas, independente de gênero, possuem ânima e ânimus. Simplificando a Ânima seria o feminino inconsciente das pessoas e o Ânimus seria o masculino inconsciente. É mais comum observar nas mulheres uma consciência feminina e um inconsciente masculino (Ânimus), assim como nos homens é mais comum o contrário, um consciente masculino e um inconsciente feminino(Ânima), porém isso não é uma regra. Simplificando o que importa é que, se uma pessoa desenvolveu aspectos mais "femininos", YIN, em sua personalidade consciente, significa que ela reprimiu aspectos "masculinos", YANG, para seu inconsciente, e vice-versa. Todos os seres tem ambas as energias, YIN e YANG. O problema é que nossa sociedade impõe um determinado padrão de comportamento para cada gênero, e assim acabamos por não equilibrar essas energias dentro da gente, mas pelo contrário desequilibrar, exaltando uma e reprimindo a outra.



Quando reprimimos algo, aquilo se torna inconsciente e consequentemente se torna algo "sombrio". Sombrio no sentido de que não estamos vendo com clareza, não estamos iluminando, e se não estamos vendo não sabemos como lidar. E quando não sabemos como lidar com algo o que acontece? Medo, negação, repulsa, ridicularização, entre outras coisas. Fazemos de tudo para negar o que não sabemos lidar, porque temos medo do que não está sob a nossa ilusão de controle.

E então nos relacionamos com o outro. No outro conseguimos ver com clareza todos os aspectos que não vemos em nós. Porém se não sabemos lidar com aquele aspecto em nós, se negamos ou reprimimos ele, como vamos saber lidar com aquele aspecto no outro? Não sabemos! E o que acontece? O mesmo processo: medo, negação, repulsa, etc.

É claro que algumas pessoas podem ter determinados aspectos exacerbados em sua personalidade, como uma agressividade exagerada ou um sentimentalismo exagerado, porém isso acontece exatamente pela falta de equilíbrio nessa relação interna entre as energias Yin/Yang (feminino/masculino). Se reprimimos demais um aspecto que é natural a todos os seres acabamos por exacerbar demais outros aspectos, é uma balança, se você tira peso de um lado, ela sobe do outro. Simples assim. E é por isso que nossa sociedade anda tão desequilibrada na forma como lida com essas energias, isso é apenas um reflexo externo do que está acontecendo dentro de nós.

"A psique busca de forma tão intensa a união dos opostos e a integração que quando ficamos ‘polarizados’ demais, ou seja, quando manifestamos apenas uma polaridade e negligenciamos outra, ela tende a nos forçar a manifestar o lado reprimido num processo chamado ‘enantiodromia’. Apesar de o nome ser complicado, este termo criado pelo filósofo Heráclito nada mais é do que a ideia de que quando uma grande força é gerada numa direção, uma força de mesmo valor é criada na direção oposta." (artigo do blog http://antharez.com.br/)




Jung também percebeu que nós atraímos exatamente aquela pessoa que possuí claramente os aspectos que negamos e reprimimos em nós. Atraímos o nosso "oposto complementar". Oposto porque acreditamos que não somos nada daquilo, já que negamos em nós, jogamos pro inconsciente e não olhamos. Complementar porque na verdade aquilo tudo está lá, no nosso inconsciente e é exatamente a parte que nos falta, para qual devemos olhar e integrar para nos tornarmos completos.

Que linda essa oportunidade que temos dentro de um relacionamento, seja ele qual for, se estivermos conscientes de que o outro está ali o tempo todo nos mostrando aspectos nossos, que não seríamos capazes de ver sozinhos! Mas o incomodo muitas vezes fala mais alto, e nos leva a praticamente entrar numa guerra com aquilo que não compreendemos sobre os outros. E a guerra só afasta mais a integração, interna e externa. Passamos a ver o que é diferente como "inimigo" ou "ameaçador" de alguma forma, e assim só nos distanciamos mais de integrar essas energias dentro de nós.

O exagero da unilateralidade em relação a essas energias YIN e YANG é extremamente prejudicial tanto individualmente quanto socialmente. As pessoas esquecem que o real é interno e não externo. O que acontece na sociedade é apenas um reflexo da forma como nós nos sentimos internamente. Enquanto existir um abismo interno em quase todos os seres humanos entre as energias YIN e YANG existirá um abismo externo entre essas energias. Enquanto a verdade é que uma nem existiria sem a outra. Elas precisam se complementar para existir plenamente.

“Não há positivo sem sua negação. Apesar da extrema oposição, ou por isso mesmo, um termo não pode existir sem o outro. É exatamente como formula a filosofia chinesa: yang (o princípio luminoso, quente, seco e masculino) contém em si o geme do yin (o princípio escuro, frio, úmido e feminino), e vice-versa” (JUNG, 2007)

Precisamos enxergar de uma vez por todas que a totalidade é objetivo final dessa luta. E a totalidade só vem através da integração. E a integração só vem através da compreensão. E a compreensão só se da através do Amor. 

Precisamos parar de repelir a energia que acreditamos ser "contrária" a nossa, e entender que ela também está presente em nós e que integrando ambas é como encontraremos o equilíbrio, tanto pessoal quanto social. Não se trata de igualdade, porque essas energias não são iguais de fato! Se trata de complementariedade. Essas energias se complementam e juntas formam um todo.

Precisamos estar mais conscientes  de quem somos e mais conscientes dentro das nossas relações. Uma relação consciente é compreender o outro como ele realmente é, sem julgamentos, e numa troca constante, saber onde cada sombra do outro está presente em você mesmo, e onde cada sombra sua está presente no outro. Para isso é necessário se ver e ver o outro, sem julgamentos, sem preconceitos, sem limitações. Estando os dois conscientes, os dois passam a iluminar um ao outro e assim se transformam e se complementam.

“E assim como todas as coisas vieram do Um, assim todas as coisas são únicas”.

Isso não é uma novidade, os antigos alquimistas já chamavam de "Casamento Alquímico" a operação alquímica considerada a mais poderosa de todas, a que era capaz de gerar a tal "pedra filosofal" que seria o grande objetivo final dos alquimistas, a vida eterna. Uma grande metáfora para o encontro de si mesmo, do "Self", sua verdadeira natureza, ou sua verdadeira Vontade, como quiser chamar. Esta operação era representada pela união de uma figura masculina, como um Rei ou um Sol, com uma figura feminina como uma Rainha ou a Lua.

"Após uma vivência de muitos anos no rico mundo da psique, aprendendo suas leis, Jung notou uma enorme força evolutiva atuando no universo psíquico. Ele percebeu que a psique humana desenvolve um esforço constante em busca da totalidade um esforço no sentido de se completar e se tornar mais consciente. O inconsciente procura transferir o seu conteúdo para o nível da consciência, onde pode ganhar existência e ser assimilado, formando uma personalidade consciente mais completa. A psique de cada indivíduo tem um estímulo inerente para evoluir, para integrar os elementos do inconsciente, juntando as partes que ainda faltam ao indivíduo total para formar um self completo, pleno e consciente." (JOHNSSON, 1993)



E fica a questão: Porque ainda estamos desperdiçando tanto potencial com a fixação em diferenças e antíteses? O caminho da união e da integração é único capaz de promover uma real transformação. E a transformação começa de dentro. Ela é interna e só depois é refletida no externo.

Olhem mais para si mesmos. Será que você tem os princípios YIN e YANG integrados dentro de você? E será que você está refletindo isso no mundo? Será que você estabelece uma relação consciente nos seus relacionamentos?

"O verdadeiro Amor não tem oposto. Se o seu amor tem oposto então ele não é amor, mas uma grande necessidade do seu ego." (Eckhart Tolle)