quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Mudança de hábito

Algumas pessoas que atendo na clínica tem me questionado ultimamente como realmente mudar hábitos, e eu pessoalmente também tenho questionado isso. Qual o ponto de equilíbrio entre a restrição do prazer e a permissão do prazer? Em que momento uma mudança de hábito para de ser uma ação sofrida e restritiva para se tornar natural?

Pesquisando e pensando sobre o assunto encontrei alguns direcionamentos. O que é um hábito, afinal? Como ele se forma e se condensa de forma tão estrutural em nossa vida? Um hábito é algo que estamos acostumados a fazer e que de alguma forma, nos da prazer. Uma ação que, como toda ação, é gerada por pensamentos e emoções. Pensamos algo, sentimos uma vontade, e daí vem a ação. Mas porque quando sinto que aquela ação contínua, ou seja, aquele hábito me faz mal, eu não consigo mudar tão facilmente?

"Eu não sou o que acontece comigo eu sou o que eu escolho me tornar"


Existem milhares de respostas pra essa pergunta, muitos hábitos vem da infância, como por exemplo a forma como você se alimenta. Provavelmente existem diversas questões psicológicas e emocionais envolvidas nesse hábito. E se você repetiu uma maneira de ser durante toda a vida, realmente se torna mais difícil transforma-la, porque você cria uma espécie de núcleo mental para esse comportamento. Mantendo este exemplo da alimentação, se eu associo comida a prazer e não á nutrição, e sempre que eu tenho um desprazer ( um dia ruim, uma briga, etc.) eu como para compensar, eu já criei um um núcleo, um processo de ação que é "sinto que preciso compensar meu desprazer e como para ter prazer." E mesmo que você não esteja mais se sentindo bem comendo daquela forma ou quantidade, você continuará tendo essa reação ao ter um dia ruim, pois é a reação que seu corpo e mente conhecem há tantos anos.

Isso serve pra tudo. Se eu bebo quando fico triste há anos, percebo que me faz mal, mas não consigo mudar porque minha mente já sabe que quando eu fico triste a melhor forma de anestesiar e não sentir aquilo é beber. Se eu tomo café de manhã para despertar, o médico me manda não tomar mais café, eu não consigo porque meu corpo e mente entenderam por anos que eu preciso do café pra acordar...e por aí vai. E esse processo muitas vezes se torna tão automático, que nossa vontade é deixada totalmente de lado.

Esse processo não é somente um processo psicológico, mas também físico. Nosso cérebro fisicamente cria o que é chamado de “caminho neural” quando mantemos um hábito por muito tempo. As sinapses cerebrais ocorrem entre um neurônio e outro formando assim uma espécie de “caminho” e quanto mais você reforça aquele mesmo pensamento ou hábito, mais automático ele se torna. 

Porém se criarmos novos “caminhos neurais” de forma proposital e consciente podemos fortifica-los até que eles se tornem automáticos. Se trata da tal mudança de hábitos. No início precisaremos de um esforço, pois todo o nosso corpo e mente já estão acostumados, quase que programados, a agir de uma determinada maneira, mas se insistirmos nós podemos reprograma-lo conscientemente até que a nova ação se torne confortável.



O primeiro passo é entender o que você ganha mantendo o hábito antigo. Por pior que ele seja e por mais que você queira mudar, se você ainda não mudou é porque existe um ganho. seja totalmente honesto com você mesmo e descubra "O que eu ganho com isso?" Identificando o ganho você deve se perguntar "Esse ganho é real?" "Ele ainda faz sentido na minha vida?" "Estou realmente ganhando mais do que se eu mudasse esse hábito?" Com esse auto questionamento você desconstrói o motivo que sua mente criou pra fazer aquilo, ou seja começa desconstruir o antigo caminho.

E aí podemos criar um novo caminho, mas pra isso é preciso esforço. Este é o momento onde conscientemente você irá se esforçar muito, e será difícil no inicio, procure sempre manter os seus motivos em mente, aquelas perguntas básicas, para não desistir. E é muito importante também negociar com você mesmo. Pense nos seus desejos como uma mola, se você apertar de mais, quando você soltar ela volta com toda a força e te empurra, e não adiantou nada todo o tempo que você tentou contê-la. 

No Shaivismo (filosofia oriental), entende-se que o ser humano passa por 12 estágios evolutivos, sendo o primeiro a total inconsciência de si e do todo, o que poderíamos chamar de estar no "piloto automático" e o 12º a iluminação, ou seja, virar corpo de luz. Segundo essa filosofia, a grande maioria dos seres humanos estão entre os estágio 1 e 2, sempre oscilando do 1 pro 2 e voltando ao 1. Isso é exatamente o que vemos e sentimos quando tentamos transformar algo em nós. 

Esse "despertar" que é a percepção de que algo está te fazendo mal e é preciso transformar, é a ponte para o segundo estágio. O Segundo estágio é um estágio de disciplina absoluta, onde você começa a perceber tudo que não te faz bem e querer abandonar totalmente, aí você se restringe ao máximo, até que em algum momento não suporta mais e, em nossas palavras "chuta o balde", e volta a inconsciência, voltando aos hábitos antigos, que já eram naturais pra você e não te exigem esforço.

Se conseguimos nos manter na disciplina do estagio 2 e desapegar do que deixamos pra trás, em algum momento nossas ações passam a ser naturais, conseguimos criar os novos caminhos neurais, criar os novos hábitos, e por nos sentirmos melhores fazemos um contato maior com a gente mesmo e aos poucos, vamos sentindo o que realmente faz bem pra gente de forma natural e fluída. E aí seria o estagio 3, onde não há esforço e você está em contato maior com a sua essência por isso sabe o que te faz bem e o que não faz.

Seja pela visão da ciência ou da filosofia oriental, o que importa no fim das contas é escutarmos o nosso ser, escutarmos o que sentimos. Se sentimos que algo está fazendo mal e precisamos mudar, temos que dar ouvidos a isso e descobrir porque queremos continuar nos fazendo mal. Não é de fora que vem a mudança, nem o ímpeto por mudar, é dentro que nasce a vontade de ser uma pessoa melhor, mais saudável, mais feliz...e a transformação real é sempre de dentro para fora.