sexta-feira, 14 de abril de 2017

O Olhar do "Outro"

A maneira como as pessoas atualmente usam as redes sociais  é um fenômeno psicológico que me chama muita atenção e me faz pensar e questionar diversos fatores do ponto de vista psicológico. O aprofundamento nesse tema poderia dar um livro, mas por enquanto vou resumir alguns pontos de vistas pessoais, porém com embasamento em meu conhecimento e estudos sobre o ser humano, e espero que meus questionamentos sirvam também para você, leitor deste blog.

A primeira pergunta que ecoa na minha cabeça diante dos fenômenos sociais da atualidade (não só as redes sociais, como reality shows e afins...) é: Porque será que precisamos tanto do olhar do outro para validar nossa identidade? Vivemos num momento que parece que "ser" não basta, é preciso mostrar que se é. Mais do que isso, me parece muitas vezes que sem "platéia" as pessoas simplesmente não são. Ou nem sabem quem são. Inclusive passou a valer mais dizer que é, ou o que fez, do que de fato ser ou fazer.


Muitas pessoas criam uma persona para a sociedade que de fato não são, mostram supostas ações que de fato não fazem, e o que mais me impressiona é que observo que esse "mostrar", essa criação dessa persona aos olhos dos outros, conforta e preenche como se a pessoa realmente fosse aquilo. Isto é, como por exemplo, se todo mundo acha que eu sou generosa, ajudo as pessoas, faço doações, etc. não importa mais se eu faço ou não, o que importa é como os outros me veem. E eu me distancio cada vez mais de mim, de como eu me vejo, criando uma auto imagem totalmente ilusória e em desacordo com a realidade.

O olhar do outro é um tema antigo e recorrente nos estudos de psicanálise e da mente humana, e sim ele é extremamente importante e, em algumas teorias até essencial para a construção do ego e da identidade. Lacan por exemplo fala muito sobre o tema quando descreve o que chamou de "estágio do espelho", momento onde o bebe não tem percepção ainda do que é o seu próprio corpo físico e o que é o corpo físico da mãe ou o mundo externo. Em sua percepção é como se tudo fosse uma coisa só, e ele começa a se definir ao olhar pra mãe (ou quem faz esse papel), sentir o corpo da mãe e aos poucos perceber que aquele é um outro ser, que não ele. E a partir daí começa-se a se constituir a noção de ego, de identidade separada do todo, quer dizer através do outro há a criação do seu próprio eu.

Winnicott também estudou muito sobre essa fase dos primeiros meses de vida, ressaltando a importância da mãe (ou de quem faz o papel de mãe) nos primeiros meses do bebe, pois é exatamente a partir desta relação que começa a construção do ego. Mais pra frente, quando a criança já tem noção da sua identidade separada do todo, o "outro" continua sendo fundamental na formação da personalidade, pois a cultura, os pais, a família, os professores, todos esses estímulos externos serão responsáveis pela formação do nosso super ego, segundo Freud. Isto é, irão definir todas as nossas crenças, ideais de certo e errado, limitações, medos e desejos.

E assim nossa mente cria essa identidade ilusória que tanto nos apegamos durante toda a vida...
Você percebe como todo o processo de criação de uma identidade é feito por estímulos externos, isto é, pelos "outros"? Como então isso pode ser você???


Observando esse processo, acredito que seja fácil perceber que existe um "eu" que não é essa identidade, existe um consciência "por trás" de todo esse processo, observando seu decorrer. E acredito que também seja fácil perceber que o que chamamos de identidade não somos nós de fato, é apenas um conjunto de concepções externas que introjetamos durante a vida. Nossa identidade é, de fato, "os outros". Então porque nos apegarmos tanto a ela ao invés de buscar quem realmente somos "por baixo" de todas essas camadas "de outros"? 

O que me assusta atualmente é que me parece que muitas pessoas estão fazendo o caminho contrário, estão se apegando cada vez mais a essas máscaras, personas, identidades ilusórias... e a insegurança de no fundo saber que não se sabe quem é, gera uma necessidade de auto afirmação infantil, como se todos voltassem para aquele estágio onde apenas o olhar do outro nos define.


Não somos mais bebes recém nascidos...Nossa mente já criou e fortaleceu uma identidade e nossa consciência já é capaz de observar essa identidade e compreender o "quebra cabeça" da qual ela é formada. Sim, precisamos dela para lidar com a realidade, o mundo externo, a sociedade. Mas precisamos também nos lembrar a todo momento que não somos ela. Você não é a sua patologia, sua doença, sua depressão, ansiedade, o seu mal humor, a sua ideologia... Não somos nada disso. E não é bonitinho dizer que somos! Também não somos nossa amizade, nossa generosidade, nosso entusiasmo ou alegria...Porque a limitação de nos definir como um ponto microscópico se na verdade somos um todo infinito?

É preciso coragem para se encontrar. É preciso a coragem de assumir que não se é nada daquilo que sempre foi. É preciso a coragem de não precisar mais do "olhar do outro" para te definir, e dar um profundo mergulho dentro de si. O caminho é pra dentro e não pra fora. A liberdade só é possível quando se sabe quem é, e apenas quem você realmente é pode te curar de qualquer coisa.