quarta-feira, 20 de junho de 2018

Self - o "eu" maior

"Todo mundo quer renascer, mas ninguém quer morrer."
Sábia frase que ouvi essa semana no documentário "O Eu Maior", que inclusive indico para todos que buscam autoconhecimento e transformação.
A questão é: Transformação requer desapego. Qualquer mudança exige que se abra mão de algumas coisas, para que coisas novas possam entrar em seu lugar. Seja um comportamento ou um hábito, ou algo externo como uma mudança física, é preciso deixar coisas para trás, para poder seguir o novo caminho. Como querer o novo se não abrirmos mão do antigo?


Abrir mão, literalmente, é deixar ir. Muitas vezes seguramos algo, mesmo que tenhamos a consciência de que esse algo já não nos serve mais. Seguramos porque temos medo de soltar. Porque acreditamos que aquilo faz parte de quem somos, da nossa identidade, ou porque acreditamos que aquilo agrada aos outros (ou à alguém), nos faz sentir queridos, ou simplesmente porque temos medo de ficar com as mãos vazias...aliás temos uma medo enorme do vazio...e esquecemos que o vazio é o espaço que antecede o novo. Para algo novo preencher, precisa ter espaço, precisa ter vazio.

Muitas vezes, devido a todos esses medos, é a própria dor que seguramos, o próprio sofrimento. Nos apegamos aquela dor como se fosse "nossa", olhamos pro outro e pensamos ou dizemos: "você não entende a minha dor", e aquilo se torna um valor imenso, e se tem valor, não queremos abrir mão.

Outras vezes o que seguramos é um instante de alegria, e esquecemos que todo instante passa. E passamos a insistir em tentar repetir aquele instante a vida inteira, mas nos frustramos porque esquecemos que um instante não volta. Haveriam  muitos outros instantes de alegria, mas nunca iguais aquele, porém como em suas mãos existe aquele instante específico, você não consegue mais "segurar" nenhum outro e vive se frustrando porque nenhum novo instante é igual aquele que passou.


As emoções são passageiras, precisamos vivê-las quando surgem e deixá-las ir. Não há nada de especial em estar imensamente feliz ou intensamente triste, são apenas energias que passam. Nós ficamos. E isso é o que há de especial. Nós, que ficamos. Independente da emoção, independente do acontecimento externo, independente do momento, existe um "eu" que continua. E é para ele que deveríamos dar atenção.

Morrer simbolicamente nos processos de transformação pode ser muitas vezes sofrido, doloroso. Porém precisamos sair dessa eterna infância em que vivemos onde só buscamos os prazeres porque assim não se cresce. Como disse Jung: "Ninguém se torna iluminado por visualizar figuras de luz, mas sim por tornar consciente sua própria escuridão." e esse processo não é fácil. O processo terapêutico não é fácil. Olhar pra si mesmo não é fácil, mas é necessário para todos que desejam ser quem realmente são.

É preciso morrer pra renascer. Essas partes que nunca queremos abrir mão, por acreditar que somos nós, são apenas camadas superficiais que escondem nossa natureza. E poucos tem a coragem de ir além delas.


quarta-feira, 6 de junho de 2018

Livre arbítrio: o problema (e a solução) da escolha

Hoje devido a uma aula de um dos cursos que dou aqui em Campos, comecei a refletir profundamente sobre a questão das escolhas. Não só pela aula, mas também por ser uma problemática recorrente na clínica (e na vida!), que surge de diversas formas, mas sempre em torno da mesma questão: a dificuldade e o medo de escolher.

O tal livre arbítrio seria uma dádiva ou um tormento? Na minha opinião pode ser ambos, dependendo da maneira como lidamos com esse poder. De fato independente de ser um presente ou um castigo dos deuses, é um poder que todos nós temos e precisamos aprender como usá-lo.



Não é raro ver pessoas com um medo tremendo de tomar decisões sérias na vida. Talvez até mesmo algumas paralisações patológicas, como a crise de pânico por exemplo ou a depressão, sejam também um medo inconsciente de tomar uma atitude, de se mover, decidir, escolher, agir...pois o que virá depois? Obviamente as consequências. E se você escolheu sozinho essas consequências serão de sua responsabilidade e daí vem o enorme medo que muitas pessoas apresentam de agir na vida.

Isso pode ser bem mais profundo do que parece. A famosa "zona de conforto", aquela posição que nem sempre é confortável, mas é conhecida, muitas vezes nos deixa totalmente estagnados e, não raro, estagnados no sofrimento. E mesmo com o sofrimento ali presente, o medo de escolher um caminho, escolher mudar, ainda permanece maior. E se o livre arbítrio, esse poder de escolher e decidir as próprias ações e os próprios caminhos, é uma capacidade de todo ser, porque temos tanto medo de utiliza-lo? Como disse anteriormente toda escolha, toda ação, tem uma consequência. Nosso medo é de sermos responsáveis pela nossa própria vida. Pela nossa própria felicidade ou infelicidade. 


Então escolher não é tão simples. Escolher está atrelado a ser responsável por si mesmo e pela sua vida e isso está totalmente relacionado ao seu nível de amadurecimento emocional. Quando crianças temos o pai e a mãe, ou adultos que fazem esse papel, para escolher pela gente. O nome já diz são os "responsáveis" pela criança. Responsável é aquele que "responde por". Os pais respondem pela criança, por suas ações e às vezes até por suas falas, pois entendem que a criança ainda não desenvolveu amadurecimento emocional suficiente para responder por si mesma. Muitos pais estendem esse processo além do necessário, e muitas pessoas se acomodam nessa posição, que parece confortável, de ter o outro se responsabilizando por você, transferem essa relação para o marido ou para a esposa, para um líder da nação, para um líder religioso, ou enfim, para Deus. Porém ter sempre alguém "respondendo por você" é abrir mão da sua própria voz. 

Essa voz, esse ego, deveria ter sido construído e fortalecido gradativamente e naturalmente ao longo do amadurecimento de cada um. A criança precisa gradativamente ter o seu espaço, a sua voz, decidir a roupa que quer usar, como quer seu corte de cabelo, pequenas coisas desse tipo que não a farão mal algum e que vão construindo sua personalidade, para no futuro começar, aos poucos, a tomar decisões mais contundentes, inicialmente com a ajuda e aconselhamento dos adultos e numa idade ideal, sozinha. Porém como falamos antes esse processo nem sempre acontece, pois nem sempre os pais tem esse entendimento. E muitas vezes acontece também o oposto, a pessoa é forçada (devido à necessidades externas) a se responsabilizar antes da hora, por questões, pessoas ou situações que não condizem com seu amadurecimento emocional. Isso também gera uma sensação de profunda insegurança. Mais ainda se alguma coisa "der errado" nessas escolhas, a pessoa pode crescer com uma culpa ou um arrependimento paralisante.


Preciso inclusive fazer um parentese sobre o arrependimento, que está totalmente atrelado à questão das escolhas. Muitas pessoas carregam arrependimentos por toda a vida, e começam a ter dificuldade de lidar com decisões grandes, por essa sensação de que escolheram "errado". Aqui a aceitação é a chave, você fez uma escolha e mesmo que tenha sido uma escolha impulsiva ou inconsciente, naquele momento foi o que você poderia lidar, o que a sua consciência era capaz de escolher, então foi o melhor pra você, não importa o que seja.

Jung traz em sua teoria a ideia de que não vivemos nada por acaso, tudo que vivemos faz parte do nosso próprio processo de individuação, isto é, de amadurecimento, e no momento que aceitamos isso, compreendemos um sentido maior em tudo o que vivemos. Além disso quem somos hoje foi construído também, em parte, pelas nossas experiências passadas. Se ame no presente e você será grato à todas elas, simplesmente por ser quem você é hoje. Isso não significa ser "vítima" dessas experiências passadas, mas sim aprender com elas e ter a consciência de que elas fazem parte de você.


A saída para a questão das escolhas é por um lado aceitar a responsabilidade por você mesmo e por sua própria vida. Sair da posição de vítima das circunstâncias para a posição ativa de quem está segurando as "rédeas" e escolhendo o caminho. E por outro lado buscar estar o mais consciente possível a cada encruzilhada. É necessário conectar o seu ego com "algo maior", seu Self, seu deus interior, sua essência, ou como quiser chamar. É aquele algo que une o racional, o emocional e a certeza transcendente de que é por ali que se deve seguir. Essa conexão só acontece através do autoconhecimento profundo.

Tem um ditado popular que diz que ignorância é uma benção, mas na verdade é exatamente o contrário. Nós causamos nosso próprio sofrimento por ignorância, por não termos consciência das nossas escolhas e responsabilidade sobre as consequências delas. Sem autoconhecimento como vamos nos libertar do sofrimento?