sábado, 24 de setembro de 2016

Transformação, mudança e morte.

O que as transformações internas que acontecem em nossa mente e personalidade tem em comum com as mudanças externas da vida, como uma mudança de casa, de cidade, o término de uma relação ou até mesmo a perda de alguma pessoa querida?

O luto para a psicologia não acontece apenas diante de uma situação literal de morte ou perda, mas também em situações em nossa vida onde sentimos a sensação de morte, mesmo que não estejamos de fato diante dela, ou será que estamos? Afinal  cada vez que transformamos questões emocionais, comportamentos e pensamentos é como se uma parte de nós estivesse morrendo, quanto mais intensa essa transformação, maior pode ser a sensação do luto.

Carta da Morte do Tarot de Toth


Por isso muitas vezes no processo terapêutico a pessoa pode se sentir deprimida, ou achar que está "piorando" enquanto na verdade o que está acontecendo é apenas transformação. E porque será que é tão difícil mudar? Mesmo quando queremos nos livrar de hábitos, comportamentos e pensamentos que não nos servem mais, temos grande dificuldade de transforma-los por completo. Isso acontece por conta do apego, que segundo as tradições orientais é uma das grandes ilusões da humanidade e uma das grandes causas do sofrimento humano.

Nós ocidentais não conseguimos encarar a morte como um processo natural da vida. Tememos a morte de uma tal forma que mal conseguimos falar ou pensar sobre ela. E o que é o medo da morte se não o apego ao ego, isto é, o apego ao estado físico que nos encontramos neste momento? Se aprofundarmos nessa linha de pensamento vamos perceber que o apego é a raiz de todo medo. O medo nada mais é do que o apego ao estado e forma que nos encontramos, ou que algo se encontra, temos medo do novo porque não sabemos como vai ser e não podemos nos apegar a algo que não conhecemos.

A filosofia oriental vê a morte como um processo, uma parte no ciclo da vida, tudo se transforma o tempo todo. Para eles exite um deus que cria (Shakti) um deus que mantém (Vishnu) e um deus que destrói (Shiva) e nenhum deles é visto de forma dual, bom ou ruim, todos os tres são necessários para o universo existir. Se não há destruição, morte, fim,  não há movimento e se não há movimento não há vida.

Shiva


É aquela velha analogia da lagarta que vira borboleta. Ela se tornou um ser totalmente diferente. Outro ser mesmo, ela não é mais lagarta, e sim borboleta. A lagarta morreu, mas nem por isso a vida que nela estava deixou de existir. Se a lagarta tivesse um nome, uma ideia de identidade na mente dela, talvez ela tivesse medo de virar borboleta.

Nós somos tão apegados ao nosso "nome", a essa ideia de identidade que não conseguimos imaginar nada além disso. E esse apego faz muita vezes com que uma pessoa se cristalize num conjunto de pensamentos e comportamentos, que ela acredita ser ela mesma, e nunca mude. Nasce lagarta e morre lagarta. Com a oportunidade de ser multicolorida e voar livre pelo céu, jogada fora.



É exatamente isso que fazemos todas as vezes que lutamos contra um processo natural de morte, seja ele de transformação interna, mudanças externas na vida, ou de fato a morte física. Nos debatemos contra um processo natural que está presente em todo o universo, muito antes de fazermos parte dele, e desperdiçamos muitas vezes oportunidades de crescimento e iluminação.

No momento em que compreendermos e aceitarmos a impermanência de todas as coisas que existem, conseguiremos nos desapegar dessa ideia de ego tão enraizada na mente humana e finalmente perceberemos que somos muito mais do que um nome ou um conjunto de comportamentos e pensamentos. Somos muito mais do que a nossa mente. Somos muito mais do que humanos...

E assim sim, livre do apego, estaremos livres do medo e permitiremos a transformação, seja ela o que vier. Saberemos observar o momento e permitir que ele passe e abriremos espaço para o que chega, num fluxo incessante de morte e nascimento. Essa é a dança do universo. E assim seremos borboletas e quem sabe, muito mais que isso...

"A morte está a todo instante destruindo o que a vida constrói. Em cada instante a vida se faz presente, e ao mesmo tempo, este instante torna-se passado e já foi devorado pela morte. E é na alteridade da existência, na tensão entre vida e morte que se torna possível o movimento de construção de nosso existir."