quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

O sentido NA vida

 Depois de ver a animação "Soul" da Pixar fiquei inspirada para escrever sobre algo que eu já estava com vontade de escrever há muito tempo: a busca pelo sentido da vida. Por sincronicidade (porque para uma Junguiana coincidência não existe...) estou terminando de ler o livro "Em busca do sentido" de Viktor Frankl, que também me trouxe diversas reflexões sobre o assunto. 

É muito comum ouvirmos na clínica o tema do sentido. Muitas pessoas se dizem perdidas, por não encontrar "um sentido maior" na vida e se vêem em uma busca constante que muitas vezes parece não ter fim. Mas o que essas pessoas estão buscando, afinal? O que é de fato, esse tal "sentido"? Como percebê-lo? Como nomeá-lo? Como segurá-lo para que ele não escape? E será que nossa vida tem um único sentido? Será mesmo que uma vida inteira pode se resumir em um único sentido, como uma profissão, um amor ou um chamado espiritual? São muitas perguntas sem respostas que indicam apenas que, no fundo, nós não sabemos o que estamos buscando. E é por isso que fica tão difícil encontrar.

A felicidade é uma ideia que nos é vendida, normalmente atrelada a importância de "ter". O "ser" só aparece vínculado ao status, as pessoas são cargos, profissões, títulos, dificilmente elas mesmas. Hoje um pedaço de papel move o mundo, e se tornou "o sentido" de muitos. O que esse pedaço de papel pode comprar, roupas, carros, joias, passeios para mostrar no instagram...seria esse o sentido da vida? O problema é que tudo isso é perecível, tudo acaba, até o nosso corpo um dia se desfaz. Como posso encontrar um sentido maior em algo que não permanece?

Carl Gustav Jung também falou muito sobre a importância do sentido, porém em sua teoria esse sentido é algo muito maior e subjetivo, algo que vem de dentro da nossa alma. Jung nos atenta para a importância de experimentar uma vida simbólica, porque é do símbolo que surgem os sentidos mais amplos e profundos. A vida racional demais não se expande, ele diz que é impossível expandir algo a partir do que esse algo já é, por isso precisamos do novo para expandir, precisamos das linhas "não racionais" para expandir a nossa mente racional, e por isso o contato com o simbólico é fundamental no processo de autoconhecimento e expansão da mente.

"Somente a vida simbólica pode expressar a necessidade da alma – a necessidade diária da alma, não se esqueça. E pelo fato de as pessoas não terem isso, não conseguem sair dessa roda viva, dessa vida assustadora, maçante e dessa rotina banal onde são “nada senão”." (C.G Jung)

Ao incluir na vida a perspectiva do simbólico, começamos a ver além do banal, além do racional. Começamos a descobrir partes de nós mesmos nunca antes vistas e um universo inteiro e intrigante a ser desvendado. Encontramos não um, mas diversos sentidos em cada símbolo que acessamos e esses sentidos nos ampliam e nos transformam profundamente. Descobrimos à partir do contato com o simbólico que a vida pode ser mais e maior. Não é à toa que desde sempre a humanidade utiliza mitos e contos de fadas para expressar seus comportamentos e transmitir ensinamentos, pois é a linguagem que nos toca. 

Segundo estudos recentes da neurociência o nosso cérebro aprende algo muito mais rápido, quando aquela informação acessa alguma lembrança e/ou nos desperta alguma emoção. O que nos toca, nos transforma. Para dar sentido é preciso sentir. Por muitos anos nos vemos presos em emaranhados de regras e repressões sociais, que nos dificultam a liberdade do sentir. A hipervalorização da mente racional e a lógica capitalista de aceleração e produção constante, nos leva a um distanciamento enorme de nós mesmos, um abismo entre a mente racional e o Self (nossa natureza mais profunda). Como remendar esse rasgo? Abandonamos os momentos de contemplação, e é apenas nestes que acessamos um sentir mais verdadeiro e profundo.

Na animação "Soul" vemos um limbo cheio de almas perdidas de si, obcecadas com determinados pensamentos ou objetivos mundanos, que a consumiram a ponto de se esquecerem de quem são. Uma metáfora clara para as patologias que dominam nosso tempo: A ansiedade e a depressão e suas diversas formas e sintomas. São pessoas que se afastam cada vez mais de si mesmas, da sua natureza, dos seus propósitos mais profundos...do seu sentido. A busca obcecada por algo que acreditamos ser "um sentido de vida" pode causar a perda total do real sentido.


Atualmente somos bombardeados com a ideia de "propósito de vida", "seguir os seus dons", "se reiventar", "faça você mesmo", e por aí vai...Coachs que prometem mudar a sua vida em 10 encontros como num passe de mágica e afirmam que vão te ajudar a encontrar a sua direção. Será que seres tão múltiplos, com uma psique infinita teriam uma só direção? Um só propósito? Como limitar em tão pouco tempo e espaço algo que é infinito? Precisamos começar por desvincular a busca de sentido de uma ideia mercadológica, capitalista, social ou romântica. Precisamos ampliar o nosso olhar e o nosso sentir.

No livro "Em busca do sentido", Viktor Frankl compartilha sua vivência e observações em um campo de concentração nazista. Em uma das situações mais hostis que podemos imaginar para um ser humano, muitos encontram força e sentido para se manterem vivos. E pensamos "mas como eles conseguem?", o autor fala sobre como a ausência de tudo que antes tinham, faz com que as pessoas comecem a dar um valor significativo para o que resta: a própria vida e o próprio ser. 

Não que seja preciso abrir mão de tudo, mas talvez seja preciso olhar para tudo que já temos. A verdade é que não há nada para ser encontrado. A única coisa que precisamos descobrir é à nós mesmos, e isso já é muito. Quanto mais nos conhecemos, quanto mais conhecemos o funcionamento do nosso ser e da nossa mente, mais compreendemos a mágica. 

A vida é uma raridade no universo. Nós somos seres dotados de tantas capacidades mentais que nem fomos capazes de descobrir todas ainda. Inseridos em um universo o qual não conseguimos nem medir de tão imenso, e acreditamos que seja infinito, com explosões de estrelas gigantes, buracos negros que sugam galáxias inteiras pra dentro de si, caos e ordem coexistindo numa dança perfeita que permite a existência de tudo. A nossa mente criou tudo que está à nossa volta, cidades, carros, computadores, medicina, cura, doenças, guerras e amor... Somos capazes de criar qualquer coisa. Somos capazes de escolher como lidar com qualquer situação que se apresenta para nós. Somos capazes de sentir. 

O sentido de tudo isso é você quem dá.

Apenas contemple a vida e se permita sentir.

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Gostei muito do texto. Conheci o blog hoje. Estou fazendo o seu curso de Tarot Terapêutico: O Caminho do Tarot.

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    1. Oi Yuri, demorei muito para ver seu comentário por aqui, me desculpe! Que bom que gostou! Muito obrigada! E espero que esteja gostando do curso também! :)

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  3. Adorei, Vanessa. O filme e seu texto.
    Nós somos/estamos (n)o oceano.

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  4. Maravilhoso Texto inspirador... verei o filme...A vida é uma imensa casa feita de tijolos. Levamos tempo e trabalho árduo para construir parede por parede, pintar, decorar, porém as vezes um acidente natural ou provocado, destrói tudo que construímos em segundos. Sobreviver não é o bastante para quem continua a viver sob os escombros do passado. Apenas os nômades, ciganos, aventureiros teem.a capacidade de seguir viagem e reconstruir outra vez, e mais una vez e novamente. Enquanto há pés e estrada a jornada não termina. O que a gente leva desta vida é a vida que se leva.

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