A psicanálise nos chamou atenção para o peso da influência das
relações parentais (mãe e pai, ou quem ocupar esse papeis) na formação de nossa
psique e personalidade. Hoje já sabemos que nossas experiências e sentimentos
nos primeiros anos de vida não só influenciam, como podem ser cruciais, na
estrutura do nosso ego e determinantes nos nossos sentimentos e ações
futuras. Pesquisas mais recentes também
comprovam a influência da mãe e do pai na vida intra-uterina, e como a maneira
que a mãe se sente pode afetar os sentimentos
e a formação da psique do bebe.
Porém também sabemos que nenhuma família é "perfeita",
todas as mães passam por estresses e dificuldades, mesmo em circunstâncias externas
adequadas, pois a própria gravidez é uma experiência carregada de conteúdo
emocional e que afeta o inconsciente da mãe. Não existe uma fórmula mágica que
diga o que deve ser feito. Então como lidar com o fato de que o que entendemos
como nosso "eu" teve sua base em experiências das quais não
recordamos e, o "pior", não tivemos o menor controle? Como aceitar
que as ações, sentimentos, e até o inconsciente de nossos pais influenciam
tanto em quem nós somos?
Não culpar é a primeira dica. Aliás "culpa"
deveria ser uma palavra proibida, excluída de nosso vocabulário, porque ela só
atrapalha nossa vida e nosso desenvolvimento pessoal. Como disse anteriormente
não existe uma cartilha de como ser mãe ou pai, e a primeira coisa que
precisamos entender é que no momento em que uma criança começa a ser gerada,
todas as questões inconscientes da gestação e infância dos próprios pais vem à tona.
Então além das dificuldades diárias que podem existir como replanejamentos
financeiros, logísticos e familiares; da
consciência da responsabilidade que é dar à vida a um ser que por muitos
anos permanecerá indefeso e dependente de você; ainda tem as questões inconscientes,
que a maioria não da atenção, mas que estão presentes e com certeza influenciando
ações e sentimentos. Compreender que os pais são seres humanos com passados,
traumas, vivências e dificuldades é o primeiro passo para parar de culpá-los,
seja pelo que for.
Não se culpar também é muito importante, afinal quantas mães
e pais tem o privilégio de planejar e escolher o momento perfeito para ter um
filho? Muito poucos. Então a tal "gravidez indesejada" é o mais comum
de vermos por aí, e na minha opinião um jeito péssimo de caracterizar uma
gravidez. Toda criança é desejada, mesmo sob as piores circunstâncias
imagináveis. Ou você realmente acredita que o inconsciente não tem papel nenhum
num evento cósmico tão trabalhoso quanto a reprodução humana? Vejo na clínica muitos casos de adolescentes e adultos que sentem culpa ou sentimento de rejeição e não entendem porque, muitas vezes pode ser derivado do sentimento de "não ter sido desejado", vindo de forma inconsciente ou mesmo por coisas que os próprios pais acabam contando para os filhos.
O importante nessa relação é a consciência. Da parte dos pais a consciência da responsabilidade que é ser parte fundamental da formação da psique de outro ser humano, para assim poder tomar decisões mais conscientes em relação aos filhos. E da parte dos filhos, quando crescem, a consciência de que não existe uma "cartilha" pronta para a criação de uma criança, a libertação de conceitos dualistas como "certo" ou "errado" e a compreensão de que se só pode dar o que se tem, o que se aprendeu. Os pais são seres humanos com seus inconscientes cheios de questões como qualquer outro ser humano. Abandonar os arquétipos de mãe e pai idealizados socialmente, pode ser libertador nessa relação.
"Qualquer experiência, não importa quão ruim ela pareça, guarda em si uma ´benção´. O objetivo é encontra-lá."
Eliminando a culpa nos resta a aceitação. Aceitar que nossa
base emocional e psíquica é formada nesses icógnitos primeiros meses de vida, dos
quais não temos nenhuma lembrança, onde estávamos totalmente vulneráveis; e mais ainda, aceitar que somos
parte de nossos pais, que nossas ações hoje certamente tem influência das ações deles,
que nossa forma de ver o mundo certamente tem influencia da forma como eles
viam o mundo...Difícil para alguns aceitar isso não? Mas aceitar é o primeiro passo para
transformar.
A má relação com os pais, principalmente na adolescência, faz
com que a pessoa comece a negar tudo o que eles são. Não queremos nos parecer
com aquilo e por isso é comum negarmos fortemente suas maneiras de se comportar
e pensar, buscando fazer tudo diferente. Porém quando negamos nossos pais,
estamos negando uma parte de nós. Estamos negando a nós mesmos.
A negação faz com que a gente não veja, com que a gente "empurre pra baixo do tapete" tudo aquilo que nos incomoda, mas a poeira não desaparece, ela está lá se acumulando. Essa negação de si mesmo em larga escala, pode gerar conflitos de personalidade, problemas de auto estima, conflitos de auto imagem e tendências auto destrutivas.
A negação faz com que a gente não veja, com que a gente "empurre pra baixo do tapete" tudo aquilo que nos incomoda, mas a poeira não desaparece, ela está lá se acumulando. Essa negação de si mesmo em larga escala, pode gerar conflitos de personalidade, problemas de auto estima, conflitos de auto imagem e tendências auto destrutivas.
Deméter e Perséfone - Mito grego do feminino oposto e completar na relação mãe/filha.
Isso é relativamente
comum na adolescência, pois é uma fase em que começamos a ter a necessidade de
nos diferenciar de todas as referências que temos para fortalecer uma personalidade própria e independente, porém não é menos comum ver
adultos que não passaram dessa fase, no sentido de que, por ter uma relação
ruim com as figuras parentais, mantém essa negação para o resto de suas vidas,
não aceitando simbolicamente aquelas partes dentro de si, e conseqüentemente
passarão isso adiante para seus filhos.
E como nos diferenciar sem negar? Aceitando, reconhecendo e transformando.
Se aceitamos as figuras maternas e paternas como elas são, compreendendo na
medida do possível seus processos como seres humanos, e também aceitamos essas
figuras simbolicamente dentro de nós mesmos, reconhecendo que somos sim
influenciados por elas e que com certeza temos semelhanças fortes em nossa
psique, podemos a partir daí ter a clareza e a consciência do que queremos
transformar. Dessa forma podemos nos diferenciar, abraçando e acolhendo tudo de
construtivo e positivo que nos foi herdado e trabalhando na evolução do que, por
algum motivo, considerarmos nocivo.
Somente através desta compreensão e aceitação teremos o
poder da transformação e as rédeas de nossas vidas. Do contrário continuaremos
negando, acreditando que não somos nada daquilo e inconscientemente repetindo
seus mesmos passos, talvez de outras maneiras, porém com a mesma energia. Afinal,
só podemos transformar aquilo que estamos conscientes.
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