terça-feira, 30 de maio de 2017

Meditação na Clínica

A psicanálise Freudiana afirma que é preciso fortalecer o ego para ter uma vida plena, e a clínica psicanalítica trabalha com essa ideia de fortalecimento do ego. Já o budismo e outras  filosofias orientais afirmam que é preciso abandonar o ego para ter uma existência mais significativa, para evoluir... Será que apenas um desses pensamentos estaria certo?

Atualmente existem muitos estudiosos, psicólogos e terapeutas que buscam integrar essas duas vertentes de pensamento, que parecem a princípio opostas. Porém poucos admitem, ou mesmo conhecem, o fato de que há aproximadamente um século Carl Gustav Jung já havia integrado esses dois pontos de vistas da humanidade, quando desenvolveu a sua teoria do "Processo de Individuação" e conceitos como o "Self".



A Clínica Junguiana sempre se propôs a ajudar o indivíduo a ir muito além do fortalecimento do ego, buscando um aprofundamento no âmbito do inconsciente coletivo, um "descascar" de camadas superficiais, e a integração dos opostos até a totalidade psíquica. A "busca" por essa totalidade, o entendimento do universo como um todo e a compreensão da integração de todas as "partes" existentes, também estão presentes no budismo e em outras filosofias orientais.

Para Jung nós não somos o nosso ego. Não somos formados apenas pelas nossas experiências, influências do ambiente e de pessoas "chaves" no desenvolvimento infantil como pais, familiares e professores; isso tudo forma o ego. Porém nós temos um "centro" essencial, que vem antes disso tudo, inato, que seria quem realmente somos. A este outro centro da psique Jung denominou "Self". Todo o processo de individuação se resume na tomada de consciência desse self. 



Inicialmente nós só temos consciência do ego, ele que define para nós mesmos quem somos. O Self está inconsciente. Durante o processo de individuação (que vale lembrar é um processo contínuo, infinito e não linear), começamos a integrar os conteúdos que estão no nosso inconsciente, e assim nos tornamos cada vez  mais inteiros, cada vez mais conscientes de quem realmente somos. 

Jung definiu algumas etapas desse processo, que como eu já disse, não é linear, porém podemos ver alguns pontos pelos quais todos passam, como:



  • o reconhecimento da persona, que são os papeis sociais que interpretamos e nos identificamos, que usamos como "máscaras" em nosso dia a dia; 
  • o confronto com a sombra que são os nossos conteúdos mais inconscientes, os quais negamos, não queremos admitir que temos e projetamos no outro; 
  • e a integração da ânima e do ânimus, que são as energias Yin e Yang (feminino e masculino) que existem dentro de nós. 




Todas as etapas desse processo são passos a caminho da totalidade psíquica e nos aproximam mais da nossa verdadeira natureza, pois é como se fossemos tirando camadas que nos impediam de percebe-la. Conforme vamos percebendo essa natureza essencial, ela vai se tornando mais consciente e logo mais ativa em nossa vida e dia-a-dia. Passamos a pensar e agir mais da forma que realmente somos do que da maneira antiga do ego. Porém você não deixa ter ego. Ele continua existindo, pois você precisa dele pra viver em sociedade, ele só não comanda mais totalmente a sua vida.



Logo na clínica Junguiana trabalhamos sim no fortalecimento do ego, mas para que a pessoa tenha estrutura psíquica para enfrentar todas essas etapas e desconstruir essa "falsa" identidade para encontrar quem ela realmente é.

Todo esse processo se assemelha muito a alguns textos e filosofias orientais. Principalmente as não-duais que defendem exatamente o encontro da verdadeira natureza, mas sem negar o mundo em que se vive, a realidade externa. 

Algumas práticas de meditação, como por exemplo a meditação mindfulness, propõe a atenção plena no momento presente e o "desligar" dos pensamentos, que nos traz a compreensão de que não somos a nossa mente, mas sim uma consciência "além" dela, que a observa e que pode sim, "controlá-la". Com a regularidade dessa pratica, realmente sentimos que não somos os nossos pensamentos, sentimos essa "atenção plena" essa consciência por trás da mente. Em outras palavras a proposta é a mesma do processo de individuação, um distanciar do próprio ego, para compreender que somos muito mais que ele.



Quando não nos identificamos com nossos pensamentos, os processos de "cura" se tornam muito mais acelerados. Se você observar são os nossos padrões de pensamentos, nossa forma de pensar, nossa mente, que cria as nossas patologias. Se conseguimos nos distanciar deles, observar seus padrões e começar a quebrar e/ou transformar esses padrões, podemos amenizar imensamente ou até mesmo acabar com diversas doenças da mente e do corpo. 

Se você se identifica com a sua doença ("eu sou ansiosa", "eu sou deprimida", "eu sou gorda/magra/feia/etc - e por isso tenho um distúrbio alimentar", enfim poderia dar milhares de exemplos...) o processo de cura se torna muito mais difícil, pois curar seria abandonar uma parte de si, seria "destruir" uma parte do seu ego, do que você acredita ser, sua identidade. Por pior que a doença possa ser na prática, isso gera um enorme apego inconsciente e, também de forma inconsciente, o ego se defende de tudo que quer "destruí-lo", resumindo seu inconsciente trabalha contra a cura.



Se compreendemos e sentimos que não somos apenas esse ego, que não somos esses pensamentos, que existe uma natureza do ser mais profunda e livre desses padrões, automaticamente nosso inconsciente busca essa natureza de forma muito mais contundente, pois como disse Jung, o nosso inconsciente busca naturalmente a integração, a totalidade psíquica. Por isso a meditação é tão eficaz no processo, pois com regularidade a prática traz exatamente essa sensação de "Ser": essencial, pleno e inteiro.

E combinada com a terapia, ao mesmo tempo trabalhamos no fortalecimento da pessoa para que ela consiga lidar com o processo de "abandono" do que ela acreditava ser, que é um processo possível porém bem difícil de se fazer só; e em paralelo com o reconectar-se com a sua essência, com seu self. É um caminho espiralado de confrontar, compreender, abandonar e reconhecer...Não foi à toa que Jung denominou de processo de individuação, pois é mesmo um processo, que não tem um objetivo final, é um processo de uma vida inteira. 



Porém por mais "trabalhoso" que pareça ser, é imensamente recompensador. Sentir a plenitude dentro de si, sentir que você controla a sua mente e não ela que te controla, sentir que você é capaz de se amar, de se acolher, de ser quem você é independente de outros ou de algo externo...são experiências que Jung chamou de "numinosas", pois são difíceis de explicar em palavras, é algo que contém a sensação de sagrado. 


No mês de Junho estarei apresentando uma palestra no Rio no II Congresso de Clínica Junguiana e Arteterapia: Tradições e História da Arte (Informações: clique aqui) e um workshop teórico e prático em Campos dos Goytacazes (Informações: clique aqui), ambos sobre o uso da meditação na clínica Junguiana.






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